Direitos Linguísticos

Direitos Linguísticos

Direitos Linguísticos

 

Os Direitos Linguísticos foram redigidos em 6 de Junho de 1996, na cidade de Barcelona, com o patrocínio da UNESCO. O texto traduzido para português, ancora-se na Declaração dos Direitos do Homem de 1948. A emergência dos Direitos Linguísticos advém da consciência de que é necessária uma “Declaração Universal dos Direitos Linguísticos que permita corrigir os desequilíbrios linguísticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as línguas e estabelecer os princípios de uma paz linguística planetária justa e equitativa, como factor fundamental da convivência social;” (UNESCO, 2006:3). Os princípios que constam na declaração aplicam-se a seis esferas de acção, a administração pública e organismos oficiais, o ensino, a onomástica, os meios de comunicação e novas tecnologias, a cultura e a socioeconómica.

Actualmente a língua inglesa é a língua mais difundida na Europa. Conseguiu este estatuto porque em todos os países europeus existe o ensino formal da língua inglesa. A popularidade da língua inglesa na UE deve-se à importância dos EUA no mundo económico, cultural e militar. (Phillipson, 2008, p:1). O crescimento galopante da língua inglesa tem hoje um claro impacto na vida quotidiana do cidadão europeu, a sua presença é dominante nos media, na internet, na música, em todos os aspectos sociais globalizados. Paralelamente a UE tem sofrido alargamentos e conta já com vinte e três línguas distintas (Phillipson, 2008:12). A língua alemã tem mais falantes de língua materna seguida pela língua francesa, mas ao nível de falantes de língua não-materna a língua inglesa destaca-se das restantes. Por essa razão faz sentido questionar se não seria cómodo e funcional utilizar a língua inglesa como língua franca da UE.

A eliminação de uma língua de certos domínios pode ameaçar a coesão e vitalidade social dessa língua” (2008:3) o que é corroborado pela Declaração dos Direitos Linguísticos que refere no artigo 7.º “ Todas as línguas são a expressão de uma identidade colectiva e de uma maneira distinta de apreender e descrever a realidade, pelo que devem poder beneficiar das condições necessárias ao seu desenvolvimento em todas as funções”, continuando no artigo 10.º “ Todas as línguas são iguais em direito”. Portanto concluo que não devemos deixar os nossos direitos linguísticos serem diminuídos por leis de mercado nem por interesses corporativos. O multilinguismo na UE é um sinal de que os europeus reconhecem e valorizam os direitos das comunidades linguísticas que se inserem no espaço europeu, e a subjugação da variedade das línguas a uma só, seria uma castração da identidade europeia.

 

O Presidente da Comissão Europeia M. José Manuel Durão Barroso e o Comissário Europeu para o Multilinguismo M. Leonard Orban convidou um grupo de intelectuais em 2007 e uma das proposições que este grupo utilizou foi “o multilinguismo na Europa é um défice de salutar” (GIDI, 2008). Outras conclusões a que chegaram foram: os estados membros deveriam promover a aprendizagem da língua materna mais duas línguas, deveriam também, criar planos de formação para promover o multilinguismo, melhorar a formação de professores, a promover o multilinguismo no ensino superior e implementar um sistema europeu de competência da língua (Phillipson 2008:10). Não obstante ser de salutar a diversidade linguística é preciso que exista uma política de língua que permita harmonizar as dificuldades que podem surgir no relacionamento de muitas comunidades linguísticas. A solução passa por, como refere Phillipson, adoptar políticas de língua proactivas, ao contrário do que acontece muitas vezes, os governos reagem quando descobrem que os seus direitos linguísticos foram diminuídos, esquecendo-se em seguida de planear uma politica de língua proactiva ( Philipson, 2003:2) . Outro aspecto importante na harmonização linguística na UE passa por conseguir que os documentos legais sejam equivalentes em forma e conteúdo, apesar dos diferentes contextos culturais e linguísticos dos países membros da UE. (Phillipson, 2003:3). Uma das formas de prevenir que o inglês subjugue as restantes línguas europeias passa na opinião de Phillipson, por um planeamento da política de língua em torno de quatro domínios, infra-estruturas nacionais e supra-nacionais, instituições da UE, ensino e aprendizagem das línguas, e pesquisa. (Phillipson, 2003:6)

A este respeito Phillipson refere "

 

Quanto às infra-estruturas nacionais e supranacionais a organização de cursos de línguas nos países membros deverá ser uma forma de possibilitar e aumentar o interesse em aprender uma língua da UE. Por exemplo, Portugal neste domínio tem organizada uma grande rede de cursos de Língua e Cultura Portuguesas na Europa e no resto do mundo. Quanto às instituições da UE na opinião de Phillipson (2004:15) são incoerentes na aplicação do multilinguismo, por exemplo, nas comunicações com os estados membros, no seu “website”, por outro lado, a organização interna da UE em termos de responsabilidade de estabelecer uma política de língua está fragmentada pelo concelho de ministros, direcções gerais de educação e cultura, tradução. Na área da pesquisa Phillipson ( 2004: 34) indica a falta de infra-estruturas como o ponto fraco.

 

A somar às debilidades indicadas na UE existe a tradição centenária por parte dos falantes de língua inglesa de proclamarem o inglês como sendo a mais indicada para ser a única língua global. Phillipson (2008:6) indica vários influentes pensadores e políticos, britânicos e norte-americanos que partilham esse ponto de vista. Esta parceria Anglo-Americana promove a língua inglesa a nível mundial desde a década de cinquenta do século XX. Uniu-os a forte tradição colonizadora do Reino Unido e dos EUA, que remonta há vários séculos. Tal como fez a nação portuguesa, utilizaram a disseminação do cristianismo como forma de difundir a língua (Phillipson, 2008:7). Outro exemplo actual é o facto de nas relações EU-EUA a única língua de comunicação seja a inglesa (Phillipson, 2008:8), ou seja externamente a EU aparenta ser monolingue.

Mas o futuro linguístico da UE é imprevisível (Phillipson, 2008:13) será que a língua inglesa está mesmo destinada a absorver todos os cidadãos europeus, ou existirão alternativas? Como disse Eco (Phillipson, 2008, p 13) a tradução é a língua da Europa.

Insistindo na ideia de uma só língua existem algumas alternativas ao monolinguismo inglês, como é o caso do Esperanto, uma ideia do escritor L.L. Zamenhof que em 1887 escreveu a obra Unua Libro. O Esperanto é uma língua artificial falada fluentemente por mais de cem mil pessoas ao nível mundial. Existem muitos apoiantes do Esperanto que defendem que só uma língua neutra e construída a partir das diversas línguas mundiais poderá um dia ser assumida como língua oficial da humanidade.

Também podemos encontrar mais casos de sucesso de línguas europeias, particularmente a língua espanhola e a língua portuguesa. A língua de Cervantes ocupa a segunda posição mundial ao nível de falantes nativos, conta com quatrocentos milhões, e a língua de Camões encontra-se na sétima posição com duzentos e trinta milhões de falantes nativos. Estas duas línguas latinas, estão amplamente difundidas no mundo e não podem ser separadas da equação multilinguística europeia. Mesmo ao nível de utilizadores da internet, que é o meio de comunicação mais emergente ao nível mundial, o número de utilizadores destas duas línguas estão a ser surpreendentes, com as maiores taxas de crescimento da Europa (Internet World Stats, 2009). Cada vez mais pessoas estão interessadas em aprender o Espanhol e o Português. São línguas importantes no sector económico, como no na actividade turística. Ambas têm também muito valor ao nível artístico e cultural, no domínio da música, das artes plásticas, da cinematografia, do teatro.

O financiamento destinado à difusão da língua portuguesa tem recursos limitados e não se compara aos biliões investidos pela dupla Anglo-americana, mas através de uma boa gestão de recursos, e o voluntarismo de diversas pessoas no terreno, a língua portuguesa mantém a sua importância no contexto internacional. Como sugere a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos no seu artigo 25.º “Todas as comunidades linguísticas têm direito a dispor de todos os recursos humanos e materiais necessários para alcançar o grau desejado de presença da sua língua em todos os níveis de ensino no interior do seu território: professores devidamente formados, métodos pedagógicos adequados, manuais, financiamento, edifícios e equipamentos, meios tecnológicos tradicionais e inovadores.” implicando por parte dos Estados o investimento na formação de professores e na melhoria das infra-estruturas e tecnologias.

O investimento na língua inglesa suplanta em muito os das restantes línguas europeias, mas o retorno desse investimento é compensador, para a Grã-Bretanha e EUA, segundo Lord Neil Kinnock que escreveu no prefácio de um livro de David Graddol, (Phillipson, 2008:11) o retorno económico da língua inglesa na Grã-Bretanha ascende a vários biliões de Libras esterlinas.

A língua Portuguesa é também uma das ligações entre a Europa e os continentes Africanos e Sul-americanos. Na actualidade o português é a língua nacional de Portugal e do Brasil e língua oficial de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor de Leste, e em Macau é língua oficial a par do chinês (Mateus et al., 2003:28). A língua portuguesa já foi utilizada como língua franca nos portos da Índia e sudoeste da Ásia (Mateus et al, 2003:28), e ainda retém alguma tradição nas zonas onde a sua presença se manteve por vários séculos. Outro aspecto que contribuí para o sucesso da língua portuguesa, é o fenómeno da diáspora. O Povo Português tem núcleos fortes na América do Norte. Na Austrália, em África e em diversos países da Europa, especificamente em França, suíça, Luxemburgo ena Alemanha. (Mateus et al, 2003: 29)

Para o futuro a médio prazo as perspectivas são animadoras, segundo o escritor David Graddol, “A língua portuguesa vai estar em crescimento até 2050, será falada maioritariamente por brasileiros e irá ser a segunda língua em África por motivos políticos e económicos” (Jornal da Madeira, 2007).

Bibliografia

 

Mateus, Maria Helena Mira; et al. (2003). “Gramática da Língua Portuguesa” Editorial Caminho. Lisboa.

Phillipson, robert, (2003). “English only? Challenging language policy” – Documento PDF, Routledge.

Phillipson, Robert (2004). “English for an against European diversity?” - Ficheiro Power Point, Lisboa.

Phillipson, Robert (2008). “Língua Franca ou língua Frankensteinia?”.

Internet

 

Groupe des Intellectuels pour le Dialogue Interculturel (2008). “Un Défi salutaire”. Consultado a 3 de Janeiro de 2010. disponível em: <http://ec.europa.eu/education/policies/lang/doc/maalouf/report_fr.pdf>.

Internet World Stats (2009). “Internet World Users by Language”. Consultado a 3 de Janeiro de 2010. Disponível em <http://www.internetworldstats.com/stats7.htm>

Jornal da Madeira (2007). “Português vai crescer até 2050”. Consultado a 3 de Janeiro de 2010. disponível em: <http://www.jornaldamadeira.pt/not2008.phpSeccao=13&id=81777&sdata=2007-11-07> .

UNESCO (2006) Declaração Universal dos Direitos Linguísticos. Barcelona. Consultado a 3 de Janeiro de 2010. Disponível em:<http://documentosrtl.wikispaces.com/file/view/Declara%C3%A7%C3%A3o+Universal+dos+Direitos+Lingu%C3%ADsticos.pdf>.